domingo, 31 de outubro de 2010

A visão das crianças VIII

O meu pai começou a vir muitas vezes tarde para casa e de todas essas vezes ouviam-se gritos em casa. E coisas a partirem-se e assim. E quando eu me levantava e ia muito assustado ter com os meus pais o meu pai atirava-me com coisas. Custava-me sempre a adormecer …
Um dia a minha mãe veio ter comigo a chorar e disse-me que tinha mandado o pai embora. Um ano mais tarde vim a saber que ele tinha sido preso e pedi à minha mãe para ir vê-lo. Ela deixou-me e foi comigo até à prisão. Quando entrei na sala onde estava o meu pai, que mais parecia o meu avô, abracei-o e disse que tinha saudades dele. Ele sorriu para mim e disse-me que também tinha saudades minhas. E depois eu disse-lhe:
- Papá, eu desculpo-te!
E ele começou a chorar.
Quando saiu da prisão (uns meses depois) ele vinha todos os dias ter comigo à tarde para estarmos juntos e nunca mais bebeu (sim eu sabia que era a bebida que o deixava assim). A minha mãe não o desculpou e ele não voltou para casa. Mas o meu pai está muito diferente e voltou a ser o pai que conhecia. Brinca muito comigo quando estamos juntos e nunca mais gritou comigo nem me atirou com coisas. Ainda bem que o desculpei, ele disse-me há pouco tempo que foi isso que o fez ver o quanto tinha sido um mau menino. Ainda bem que o desculpei… Afinal, errar é humano. (Foi o que sempre me disseram.)