sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

O principezinho

"As pessoas grandes  gostam de números. Quando vocês lhes falam de um amigo novo, as suas perguntas nunca vão ao essencial. Nunca vos perguntam: "Como é a voz dele? De que brincadeiras ele gosta mais? Ele faz colecção de borboletas?" Mas: "Que idade é que ele tem? Quantos irmãos tem? Quanto é que ele pesa? Quanto ganha o pai dele?" Só assim é que pensam ficar a conhecê-lo. Se vocês disserem às pessoas grandes: "Hoje vi uma casa muito bonita de tijolos cor-de-rosa, com gerânios nas janelas e pombas no telhado...", as pessoas grandes não a conseguem imaginar. É preciso dizer-lhes: "Hoje vi uma casa que custou vinte mil contos." Então, já são capazes de exclamar: "Mas que linda casa!"
(...)
"Mas nós, nós que entendemos a vida, claro que nos estamos bem nas tintas para os números!"

sexta-feira, 21 de outubro de 2011

Toda a gente é ninguém...

Numa aula um professor que, também dá aulas de música a crianças, contou-nos uma história sobre o conceito de toda a gente
Não só as crianças mas também nós usamos imensas vezes a expressão toda a gente quando apenas nos queremos debruçar sobre um grupo de pessoas, que não é certamente toda a gente. E então a história foi, mais ao menos, a seguinte:

- Oh stor mas toda a gente gosta desta música.
- Toda a gente? Tens a certeza?
- Sim.
- Então e quantos são toda a gente?
E o menino ficou muito pensativo sem saber o que responder, então o professor tentou simplificar a pergunta:
- Conheces pessoas na Ásia?
- Não.
- Ok então podemos excluir as pessoas da Ásia. E em África?
- Também não.
- Hum então excluimos essas também. Conheces alguém fora de Portugal?
- Acho que não.
- Muito bem então excluimos todas as pessoas que não sejam de Portugal. Conheces pessoas no Norte?
- Sim tenho familia lá.
- E falas com eles sobre música?
- Nem por isso.
- Pronto então vamos ficar só aqui por lisboa. Com quantas pessoas costumas falar sobre música?
- Com algumas.
- Dá- me um número.
- Talvez com 30.
- E dessas pessoas todas quem é que já te disse que gostava daquela música?
E o rapaz muito pensativo responde:
- Ah... Ninguém.

O professor começou-se a rir e finalizou a sua história dizendo-nos a nós:
- Já viram como toda a gente pode ser ninguém...


sábado, 30 de julho de 2011

"Toda a gente tem manchas." - Disse-me uma miúda que devia ter uns 6 ou 7 anos no outro dia a sair da casa de banho.

Estávamos nós a lavar as mãos na casa de banho, quando ela começa a comentar uma mancha de nascença que tem no corpo (Incrível o à vontade que as crianças têm em contar coisas pessoais a toda a gente). E eu comentei que também tinha uma e mostrei-lha. A rapariga não perdeu muito tempo a olhar para ela em vez disso saiu da casa de banho a correr dizendo com uma confiança de adulta na voz: "Toda a gente tem manchas."

É verdade, sim senhora. Não só no corpo mas na alma e na mente, toda a gente tem manchas...

sexta-feira, 10 de junho de 2011

O fim destes contos XX

Chamo-me Isabel e tenho 37 anos, sou educadora de infância e admiro as crianças mais que tudo nesta vida. São elas que me ensinam a viver, cada palavra delas e cada gesto demonstra o quanto são maravilhosas. Se as ouvíssemos mais vezes e se conseguíssemos perceber que é ali que temos de dar tudo de nós…O mundo seria um sítio muito melhor.
A sua ingenuidade, sinceridade e pureza são os motores da vida (ou deveriam ser), era bom que soubéssemos conservar essas qualidades para que no futuro continuassem com o mesmo brilho... Para que quando crescessem soubessem olhar para o mundo com olhos de criança, que o soubessem apreciar como o faziam.

As qualidades das crianças ensinam-nos que podemos sempre ser seres humanos melhores, ensinam-nos também que às vezes devemos deixar entrar a simplicidade na nossa vida e esquecer um pouco o mundo complexo em que vivemos.
Temos de cuidar bem delas e ter uma mente aberta para perceber que às vezes são elas que têm razão e não nós. (E devemos educá-las bem que elas não podem crescer sozinhas)

Se fizermos isso, certamente elas cuidarão muito melhor do futuro do que nós alguma vez cuidámos do passado.

sexta-feira, 22 de abril de 2011

XIX

Estava farto de gritar que queria comer um pão com manteiga mas ninguém me ligava nenhuma. Até que o meu tio gritou e disse: - Já chega eu já te ouvi!
Não sei porque é que ele não disse isso mais cedo. E perguntei-lhe então quando é que íamos comer. Ele respondeu que estávamos a caminho do café. E eu perguntei quanto tempo é que demorávamos a chegar lá. E ele suspirou e chamou-me chato. Eu não disse mais nada até ao final da viagem, mas custou-me muito porque estava mesmo cheio de fome. Mesmo, mesmo, mesmo. E a primeira paragem que fizemos nem foi para ir comer nem nada.
Eu acho que ninguém percebeu que eu estava mesmo com muita fome. E depois chamam-me chato.

sexta-feira, 25 de março de 2011

XVI

Aí que bom que soube bater no Frederico! Ele estava mesmo a pedi-las! Meteu-se comigo queria o quê? Toda a gente sabe que não se metem comigo sem levar…
Com que então queria-me ganhar no futebol… Levou tanta porrada que nem pude jogar mais! E pronto assim consegui ganhar. He,He... Claro eu sou o maior. Sou eu e o meu pai, metemos todos na linha.
De vez em quando também é preciso meter a minha mãe na linha, porque ela porta-se mal. E o meu pai dá-lhe porrada que é para ela aprender a lição. Ela queixa-se um bocadinho, mas depois passa-lhe. Agora o Frederico espero bem que tenha aprendido a lição e não se meta mais comigo. Se não eu chamo o meu pai e aí é que vão ser elas.

sábado, 12 de fevereiro de 2011

A visão das crianças XV

Hiii .... no outro dia vi uma senhora a passar na rua toda despenteada. Quando passei por ela pedi à minha mãe a escova que eu sei que ela tem sempre na mala e ofereci à senhora.
Ela ficou a olhar para mim com ar de parva e olhou para a minha mãe com um olhar que parecia que ia come-la. A senhora continuou a andar para a frente e a minha mãe deu-me um sermão: - Não podemos chegar ao pé das pessoas e fazer isso que fizeste.
E eu perguntei: - Porque não? A senhora estava mesmo despenteada. As pessoas podiam rir-se dela estando assim com o cabelo.
- Deixavas elas rirem.
- Oh mãe não foi isso que me ensinaste. Ensinaste-me a não deixar que as pessoas fossem gozadas. E a ser sempre sincero.

sábado, 15 de janeiro de 2011

A visão das crianças

Na Alemanha nos anos 40:

Não percebo porque nos temos de esconder na cave. A minha mãe diz que estamos só a jogar um jogo mas está sempre tão assustada…
À noite só ouço barulhos muito altos que assustam a minha família toda. Os adultos dizem que em breve todo aquele barulho vai acabar mas bem sei que só estão a tentar acalmar-nos, a mim e aos meus irmãos.
Durante o dia não podemos fazer barulho nenhum, mal nos podemos mexer, é horrível…
A comida cada vez é menos e eu tenho de comer pouco para dar mais comida às minhas irmãs que são mais pequenas. Há semanas que estamos aqui e há dias que eu deixei de pensar que isto era um jogo. Às vezes ouço os meus pais e os meus tios a falarem e dizem que “eles” não vão desistir enquanto não nos matarem a todos. Não sei quem são “eles”, nem porque é que nos querem matar…
Fiquei muito assustado quando ouvi isto mas tive que ser forte pelas minhas irmãs e fingi que estava tudo bem.
Estou a ouvir um barulho forte! Estou a ouvir passos por cima de nós!
– São “eles”! São “eles”! Eu prometo ser um bom menino! Eu prometo… (e a voz desvanece-se, depois do som de tiros e de gritos do resto da família)