sábado, 18 de dezembro de 2010

A visão das crianças XII

Hoje fiquei muito triste com o meu pai. Cheguei da escola e queria contar-lhe o meu dia, chamei-o algumas vezes mas ele não me respondeu. Quando finalmente me respondeu disse que não podia falar naquele momento mas que ia já brincar comigo. Mas eu nem queria brincar, só queria contar-lhe o meu dia… Mais tarde ele não foi brincar comigo nem me ouviu a contar o meu dia, tive de contar ao meu gato. Ele achou o meu dia muito divertido como eu achei também.
Quando o meu pai perguntou como tinha sido o meu dia, já era muito de noite e já não me apetecia contar, disse só que foi giro e ele também não perguntou mais nada.
Fiquei triste. Queria ter contado o meu dia a ele e não ao meu gato, que apesar de ser um querido ainda não fala nem faz expressões nem é meu pai.

domingo, 31 de outubro de 2010

A visão das crianças VIII

O meu pai começou a vir muitas vezes tarde para casa e de todas essas vezes ouviam-se gritos em casa. E coisas a partirem-se e assim. E quando eu me levantava e ia muito assustado ter com os meus pais o meu pai atirava-me com coisas. Custava-me sempre a adormecer …
Um dia a minha mãe veio ter comigo a chorar e disse-me que tinha mandado o pai embora. Um ano mais tarde vim a saber que ele tinha sido preso e pedi à minha mãe para ir vê-lo. Ela deixou-me e foi comigo até à prisão. Quando entrei na sala onde estava o meu pai, que mais parecia o meu avô, abracei-o e disse que tinha saudades dele. Ele sorriu para mim e disse-me que também tinha saudades minhas. E depois eu disse-lhe:
- Papá, eu desculpo-te!
E ele começou a chorar.
Quando saiu da prisão (uns meses depois) ele vinha todos os dias ter comigo à tarde para estarmos juntos e nunca mais bebeu (sim eu sabia que era a bebida que o deixava assim). A minha mãe não o desculpou e ele não voltou para casa. Mas o meu pai está muito diferente e voltou a ser o pai que conhecia. Brinca muito comigo quando estamos juntos e nunca mais gritou comigo nem me atirou com coisas. Ainda bem que o desculpei, ele disse-me há pouco tempo que foi isso que o fez ver o quanto tinha sido um mau menino. Ainda bem que o desculpei… Afinal, errar é humano. (Foi o que sempre me disseram.)

sábado, 25 de setembro de 2010

A visão das crianças VII

Adoro a minha prima! É tão fofinha e tem um sorriso tão bonito… Mas passa muito tempo a chorar ainda não percebi muito bem porquê. Estou sempre a fazer parvoíces para ela se rir e abraço-a muitas vezes com força porque é o que me apetece fazer quando a vejo. Mas ela está sempre a dizer que é feia e que é horrível e que é gorda… Eu fico a olhar para ela e digo-lhe que gosto dela como é, feia, horrível ou gorda ou tudo aquilo junto. Mas não é o que acho, para mim continua a ser a minha prima do coração, fofinha e com um sorriso muito brilhante.

quarta-feira, 8 de setembro de 2010

A visão das crianças VI

Entrou para a minha turma uma rapariga que tem os olhos em bico e eu achei-a muito engraçada. Ela fala pouco e o que diz eu não percebo nada. A nossa professora disse-nos que ela veio de muito longe e que não fala português. Eu nem sabia que havia gente que não falava português, e por isso achei engraçado não perceber nada do que ela dizia. Comecei a estar mais com ela e a oferecer-lhe o meu lanche de vez em quando. Ela sorria e dizia qualquer coisa que eu acho que era obrigado.
No outro dia perguntei à minha mãe se podia levar a rapariga com olhos em bico lá a casa e ela respondeu-me:
- O quê? Uma chinesa? Não, absolutamente que não.
Eu não percebi porque não. Eu gostava muito da rapariga de olhos em bico, apesar de não conseguir dizer o nome dela, ela era muito simpática. Esperava sempre por mim à porta da sala e na fila do refeitório. E de vez em quando dava-me um chupa-chupa.
Mas a minha mãe não gostava dela, mesmo nunca a tendo visto, e proibiu-me de estar com ela.
Umas semanas depois fiquei doente e tive que ir para o hospital, o médico que me estava a tratar também tinha os olhos em bico e eu achei estranho a minha mãe não dizer nada e por isso perguntei:
- Oh mãe e deste senhor já gostas?
- O que é que estás para ai a dizer filha?
- Não quero ser tratada por este senhor!
- Porque não?
- Porque não quero, porque me faz lembrar a amiga que perdi. Se não me deixaste estar perto dela porque me deixas estar perto deste senhor agora?
- Não é que eu queira mas ele é o melhor médico daqui e vai tratar bem de ti…
- Ela era minha amiga e fazia-me feliz…

terça-feira, 24 de agosto de 2010

A visão das crianças IV

Não sei o que se passou no outro dia. Estava feliz e comecei a dançar na casa de uma tia minha, mas estavam todos carrancudos e com uns olhares tristes e quando me viram dançar olharam para mim como se tivesse partido alguma coisa.
Depois vieram-me dizer que essa tia tinha morrido e que estavam ali aquelas pessoas todas reunidas porque vieram prestar-lhe uma última homenagem. E eu fiquei confuso, porque pelo que me lembro dessa minha tia ela adorava dançar…
Não percebo porque é que ficou tudo tão chateado quando eu comecei a dançar ao ritmo do piano. A música era mesmo linda, era uma das que ela costumava ouvir. Aposto que tinha dançado comigo se estivesse ali.

quinta-feira, 19 de agosto de 2010

A visão das crianças II

Ontem vi um senhor negro a passear na rua. Ele tinha um chapéu muito giro e eu parei à frente dele e perguntei-lhe se mo podia emprestar para ver como me ficava.
Ele fez um grande sorriso (nunca tinha visto um sorriso como o dele) e emprestou-me o chapéu.
Outro senhor, mas desta vez branco, passou por nós e perguntou-me se eu conhecia aquele senhor.
E eu disse-lhe que não.
E ele começou a falar de uma maneira estranha com o senhor negro e eu fiquei assustado. De chapéu na mão virei-me para o senhor branco e disse:
- Também pode experimentar se quiser.

quinta-feira, 12 de agosto de 2010

A visão das crianças I

O Arco-íris era lindo, gostava que o tivessem visto como eu o vi. Com aquelas cores todas… Eu ainda procurei pelo pote cheio de doces mas nem consegui achar o fim do Arco-íris.
Eu acho que o meu avô me enganou, acho que não existe pote nenhum. Não acredito que ele foi capaz de me mentir outra vez, como daquela vez em que me disse que o Pai Natal existia e fui a descobrir no outro dia que era mentira. Porque me dei conta que quem fazia de Pai Natal era o meu avô.
Já só me falta dizerem que o coelho da Páscoa não existe!
Ainda por cima agora que estamos perto da Páscoa, se me disserem isso juro que passo a não acreditar em mais nada.
Não sei porque é que os adultos mentem. É uma coisa muito feia e eu não quero tornar-me mentirosa como eles!
Será que tenho mesmo de crescer?!
Quanto mais cresço mais descubro que tudo aquilo em que alguma vez acreditei não passa de uma mentira.
Eu não quero que tudo seja uma mentira!
Quero acreditar em algo verdadeiro, como o Arco-íris!
Que é sempre bonito, apesar de às vezes estar escondido pelas nuvens.
Esse, eu sei que é verdadeiro, porque eu vi-o!
Ninguém me disse…

Esperança

O que mais gosto nas crianças é a esperança que contêm dentro delas. Em cada gesto, em cada movimento, em cada sorriso e em cada abraço. O mundo pode acabar no dia seguinte mas para elas cada momento é único e especial e fazem dele uma festa.
A esperança que elas propagam é imensa e dá vontade, quando elas estão por perto, de não desistir de nada. Dá vontade de dar tudo para sermos um pouco melhores, pessoas melhores... Com elas por perto parece que há sempre uma razão para viver e existe sempre uma saída ao fundo do túnel.

Se um dia não conseguir ver essa luz vou-me lembrar das pequenas criaturas deste mundo e vou-me lembrar em ser uma delas outra vez, vou-me lembrar que o ser criança não significa ter menos de 10 anos ou 8 ou 5, significa que no fundo da nossa alma mantivemos a esperança...

Isso é o mais importante e é o que mais gosto nas pessoas em geral; gosto daquelas que dentro delas têm uma caixinha de esperança que, como as crianças, gostam de espalhar pela vida.

domingo, 18 de julho de 2010

Há crianças que ficam...

Custa-me vê-las partir...
Algumas crianças custa-me ver partir, aquelas crianças que de bom agrado adoptaria como meus filhos. Muitas delas são rapazes é verdade... O David, o Pedrinho, o Gui, o João e aqueles mais rebeldes que gostaria de puder educar o Tiago, o Gonçalo...

Os rapazes têm uma tendência natural para serem verdadeiros e simples e alguns têm uma essência que brilha de uma maneira diferente da das raparigas. Talvez porque elas são sempre mais complexas, mesmo em pequeninas...

O João... De olho cinzento e tão querido.
O Gui... De personalidade já forte.
O David... De riso inconfundível. Que parecia compreender já muita coisa. Com um lado misterioso adorável.
O Pedrinho... Tão pequenino e frágil. "Ritinha..." - Chamava-me ele. ^.^
O Tiago... Parvo metade dos dias. Gostava de me morder e de quase a arrancar-me o braço. Na outra metade dos dias lembrava-se e dava-me abraços e beijinhos e sorria para mim.
O Gonçalo... Olhar que diz muito. Mania que era rebelde. Um rapaz que quando queria sabia ser muito mais do que demonstrava.
...

Todos eles gostavam de me dar abraços, uns demonstravam isso de uma maneira mais notória que outros, mas todos eles abraçavam-se a mim de vez em quando. E para mim um abraço é algo que fica para sempre.

As crianças têm disto, têm a capacidade de tornarem o nosso mundo mais brilhante e enriquecem-no mal nos dão o prazer de deixar-nos fazer parte da sua vida.

sábado, 3 de julho de 2010

"Eu quero..."


É esta a expressão que é repetida constantemente pelas crianças. "Eu quero um gelado." "Eu quero aquele brinquedo." "Eu quero água." "Eu quero que me dês atenção." E só mais tarde se apercebem que esta expressão não os leva longe e começam a usar mais o "gostaria", começam a ser mais humildes e chegam à conclusão que nem sempre o que querem se pode realizar.

Lá no fundo todos nós continuamos a usar essa expressão, apesar de ser conjugada num tempo diferente. "Eu queria que ele/a me amasse." "Eu queria ter mais dinheiro." "Eu queria aquela camisola." "Eu queria ser feliz." Toda a gente quer alguma coisa, as crianças apenas fazem a questão de dizê-lo aos berros e repetidamente.

Também nós ficávamos tristes quando percebíamos que os nossos desejos não se iam realizar (ainda hoje ficamos), elas só demonstram essa tristeza gritando e chorando. Talvez a solução, seja monstrarmos às crianças o mundo dos outros, fazendo-as perceber que todos nós queremos coisas e que nem todas essas coisas se podem realizar. (Com calma e ouvindo sempre o que têm para dizer.)

Eu quero fazer de tudo para que as crianças que passem por mim levem um pouco de mim com elas e deixem um pouco delas em mim.

As crianças

Para mim, absolutamente que quem disse que o melhor do mundo eram as crianças não podia ter mais razão. É verdade sim que ás vezes nos dão cabo da cabeça e que podem ser do mais irritante que existe, mas como é bom puder-lhes ensinar a não sê-lo e fazê-las entender a beleza da vida e como podem ser melhores seres humanos.
Ensinar e educar são duas grandes palavras e são um trabalho mais do que enriquecedor. Extremamente difícil e extremamente recompensador. Por elas criei este blog. Quero partilhar os textos que vim a escrever sobre a Visão das Crianças e outros textos que por vezes escrevo sobre elas.